Aproximadamente 270 mil pessoas não tomaram a primeira dose no DF Os dados disponíveis no Vacinômetro indicam que, até o dia 31 de outubro, ...
Aproximadamente 270 mil pessoas não tomaram a primeira dose no DF
Os dados disponíveis no Vacinômetro indicam que, até o dia 31 de outubro, cerca de 23,52% da população entre 30 a 34 anos ainda não havia ido até os postos de vacinação
Gabriel de Sousa e Vítor Mendonça
Mais de nove meses depois do início da vacinação contra a covid-19 no Distrito Federal, cerca de 270 mil pessoas ainda não foram aos postos para a primeira aplicação na campanha de imunização, sendo 201,2 mil deste público composto por adultos. Desse total, a faixa etária de 30 a 39 anos é a que mais possui indivíduos sem nenhuma dose tomada. De acordo com o Vacinômetro da Secretaria de Saúde (SES/DF), 23% dessa população não se dirigiu aos pontos instalados pela pasta.
Os dados disponíveis no Vacinômetro indicam que, até o dia 31 de outubro, cerca de 23,52% da população entre 30 a 34 anos ainda não havia ido até os postos de vacinação para receber a primeira dose da vacina. Entre os que têm 35 e 39, aproximadamente 22,69% do público também não recebeu a D1. No total, são aproximadamente 126.262 brasilienses na faixa etária que não possuem nenhum preenchimento na caderneta de vacinação contra o novo coronavírus.
A população de 30 a 39 anos reúne 546.706 cidadãos no DF. A data de início de vacinação das faixas de 35 a 39 e de 30 a 34 começou no fim de julho, nos dias 23 e 29, respectivamente. São, portanto, mais de três meses sem procurar a imunização recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Além destes, aproximadamente 70 mil adolescentes de 12 a 17 anos também não receberam a primeira dose dos imunizantes contra a covid-19 – o que corresponde a 21,15% do público nesta faixa etária. Eles foram o último grupo considerado apto para receber o esquema vacinal.
Ao todo, no DF, mais de 70% da população recebeu a primeira dose e cerca de 58% foi vacinada com as duas doses ou dose única.
Medo das reações
A moradora de uma região rural de São Sebastião, o Núcleo Aguilhada, que não quis se identificar, é uma das cidadãs que afirmou não querer se vacinar contra a covid-19 por ora. Em conversa com o Jornal de Brasília, ela destacou que só tomará “se chegar a um ponto em que for obrigatório e não houver nenhuma outra saída”. “Aí sim eu posso até pensar no assunto, mas enquanto eu puder, não vou não”, disse.
Todos ao redor dela na vizinhança se vacinaram, mas não houve quem a convencesse de que a aplicação seria a melhor opção. O medo de alguma reação adversa após a aplicação é o maior motivo para ela não se dirigir a algum ponto de vacinação na região. “Teve gente ficando com dor de cabeça, dor em não sei aonde. Não quero isso.”, afirmou. A justificativa é pelo trauma vivido enquanto teve a doença, em maio deste ano.
“Eu tive covid achei que morreria por duas vezes. Pensava que não voltaria mais quando a ambulância me levou. Sentia um frio intenso e suava de molhar a roupa e o sofá. A primeira vez foi quando fiquei totalmente gelada. Eu via as pessoas mexendo comigo, mas eu não reagia. Na minha mente eu queria falar, mas não conseguia, não tinha força para isso. A médica diagnosticou como fraqueza muscular crônica”, destacou.
“Por isso falo que a morte é gelada. É uma sensação estranha, esquisita demais.” O sintoma mais forte foi o frio, mas outros a acompanharam durante o período doente, como o cansaço e as dores musculares. Como consequência, agora as conversas precisam de pausas, em dias frios ela sente os ossos doerem no corpo e as atividades no campo não rendem como antes, sempre levando à exaustão. “Hoje também a carne parece um papelão molhado”, acrescentou.
Antes as atividades eram feitas na chácara desde as primeiras horas do dia até os últimos raios de sol. “Mas hoje eu olho para trás e vejo praticamente nada feito”, relatou pela queda na produção que teve. “Não consigo trabalhar o tanto que eu trabalhava antes. Eu capinava minha terra, fazia minha cerca, de tudo. Mas agora eu estou limitada e tenho que ficar descansando ou deixando para o dia seguinte porque não dou conta mais de fazer. É complicado”, disse ela, cujas produções da terra a ajudam a se sustentar.
“Tenho muito medo de pegar a covid-19 novamente. Me cuido o dobro do que eu me cuidava antes. Eu comprei umas máscaras especiais, evito sair e tenho muito cuidado de evitar aglomerações. Mas mesmo assim não vou tomar”, reforçou. Como mora sozinha, tem medo de passar mal novamente e não ter ninguém para socorrê-la. No período com a doença, ficou na casa dos filhos se recuperando.
A filha, veterinária, até tenta estimular a mulher a se imunizar, mas ela desconversa. Já está convencida de que não quer a vacina. O ex-marido também já se dirigiu aos pontos de vacinação. Por outro lado, o filho decidiu como a mãe e não irá receber nenhuma aplicação.
“Todo mundo já tentou me convencer, então eu nem falo nesse assunto mais com as pessoas, que é para evitar que fiquem tentando ainda. Não quero a Secretaria me ligando também. […] Acho que a gente tem que ter livre-arbítrio para escolher. Eu já até apelei com algumas pessoas”, defendeu-se. “No futuro, pode ser que algo aconteça para me fazer mudar de ideia, mas por enquanto não.”
Com o desenvolvimento da campanha de vacinação e outras opções de vacinas, com maior tempo de elaboração, ela acredita que poderá pensar no assunto. “Tem gente que era super saudável, mas que agora ficou com dor de ouvido, com as vistas ruins, dor no estômago, fraqueza, um monte de coisa”, conforme contou que ouviu de relatos de pessoas próximas.
Apesar dos dados mostrados sobre a diminuição do número de internações e mortes pela covid-19, ela insiste que não vai se vacinar. “Ainda não achei uma pessoa que me convencesse do contrário. Às vezes as pessoas me falam que eu sou tão estudada e mesmo assim não vou tomar a vacina, dizendo que sou ignorante, mas não é ignorância, é meu jeito de pensar. Assim como respeito a escolha das pessoas, quero que me respeitem também.”
Temor e pressão dos pais
Um motorista de aplicativo de 34 anos, que não quis se identificar, também informou em entrevista ao JBr que ainda não recebeu nenhuma das duas doses da vacina contra o novo coronavírus. Ele não compareceu ao posto de saúde por temer as reações posteriores à aplicação. “Vi muita gente passando mal e sentindo muita dor após receber a vacina, eu não quis por conta disso.”
De acordo com o autônomo, ele sentiu sintomas parecidos com a infecção pela covid-19 em dezembro do ano passado. Ele afirma que sentiu dores de cabeça e incômodos na garganta, mas que apesar disso foi a uma festa clandestina na Samambaia, onde reside. “Depois que fui sair com os meus amigos, eu comecei a melhorar, acho que não era coronavírus”, relembra.
Uma estudante de 15 anos que reside na zona central de Sobradinho I, faz parte do público adolescente que ainda não recebeu a primeira dose do imunizante. Aluna de uma escola pública da região administrativa, ela diz que ninguém da família recebeu as aplicações por conta da imposição do chefe familiar. “O meu pai diz que ninguém deve tomar as vacinas, ele fala que elas matam por conta das notícias que ele vê pela internet”, afirma.
De acordo com a adolescente, o pai a orienta para que, caso seja questionada sobre a sua vacinação, que diga que já recebeu as doses do imunizante, o que não seria verdade: “Ele diz para que eu diga que estou vacinada, quando na verdade não estou, eu acho que tem muitos adolescentes que passam pela mesma situação.”
A moradora de Sobradinho diz que não acredita nas “fake news” que motivam o pai a não deixá-la ir a um posto de saúde receber as suas doses da vacina contra o novo coronavírus, mas afirma ter medo de se imunizar por conta das consequências familiares. “Tenho medo de me vacinar e ele descobrir. A única pessoa que sabe que eu ainda não me vacinei é o meu namorado, e ele também insiste para que eu desobedeça ele”, diz a adolescente.
Infectologista adverte
De acordo com o infectologista Dalcy Albuquerque, aqueles não vacinados com a primeira dose podem trazer dificuldades para o fim da pandemia no DF. “Esse público [entre 30 e 39 anos] é justamente o que mais sai na rua e interage com um maior número de pessoas. Como eles não estão vacinados, o risco de se infectar e de infectar outras pessoas é maior”, afirma.
Dalcy destaca que os dois principais motivadores para o não comparecimento dos adultos aos postos de saúde são a indisposição por conta do trabalho – que segundo ele, já poderia ser solucionada com a disponibilidade de vacinação durante os fins de semana –, e motivos “ideológicos”. Neste aspecto, segundo ele, uma parcela da população não se imunizou por conta da veiculação de notícias falsas sobre a cobertura vacinal. “A discussão política passou por cima da discussão epidemiológica”, criticou o especialista.
Já sobre os adolescentes que ainda não receberam a primeira dose, o infectologista acrescenta que a posição ideológica de muitos familiares, contrária à vacina, também pode trazer problemas para a imunização completa desta faixa etária.
O número de vacinados com a D1 acima de 70% é positivo segundo Dalcy. Entretanto, o indicado pela vigilância epidemiológica é uma cobertura com mais de 95% dos brasilienses com a segunda dose ou a dose única aplicada. Para ele, campanhas governamentais podem ser uma das formas de aumentar a porcentagem da população vacinada.
“[Deve-se] fazer com que os que ainda não se vacinaram e estão andando pelos shoppings vejam um ponto de imunização e se lembrem que ainda não receberam o imunizante, e recebam ali mesmo”, finalizou o especialista.
Dalcy Albuquerque diz que a não-vacinação dos trabalhadores que exercem esta função, como o motorista de aplicativo de 34 anos e morador de Samambaia, é extremamente perigoso. “Esse tipo de perfil é a ‘ponte ideal da doença’. Se há um público que deveria ser prioritário na vacinação seriam estes que estão relacionados com o transporte da população”, comenta o infectologista.
FONTE: JORNAL DE BRASÍLIA | EDIÇÃO: REDAÇÃO GRUPO M4
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